O Juízo Final

Neste conto, um peregrino vindo de outro mundo alerta um humano do que está por vir. Imagem dos jardins de uma civilização extraterrena Não estamos sozinhos no universo, embora grandes distâncias separem os mundos habitados por vidas que se estabelecem em sociedades desenvolvidas tecnologicamente, inclusive em nossa galáxia.

Além disso, a distância não é tudo que nos separa, também há o momento. Imagine quantas sociedades desenvolvidas já existiram antes das nossas e já se extinguiram? Seja de modo provocado e inconsequente – como no caso humano, ao ser subjugada por classes sociais que impõem um sistema capitalista, que destrói o ambiente natural e vai condenando as suas existências – seja em decorrência de uma catástrofe natural ou guerras?! Imagine quantas sociedades ainda se desenvolverão milhões ou bilhões de anos após nossas civilizações não existirem mais?

As questões de distância e momento, todavia, não são um grande problema para civilizações mais avançadas que as nossas. Até mesmo nós, gunídeos, já nos desenvolvemos a ponto de aproveitarmos de maneira plena a energia de nosso planeta, bem como começamos a encontrar soluções para que nossas vidas, ou pelo menos nossas consciências, sejam longevas o suficiente para acompanhar o tempo de existência de nossa galáxia.

Acredito que um problema ainda maior seja o choque entre os diferentes modos e pontos de vista das civilizações desenvolvidas, que possuem condições de exterminar umas às outras em eventuais conflitos ou guerras.

Evidentemente as civilizações desenvolvidas não são homogêneas. Na terra temos apenas humanos, como única espécie tecnológica, que guerreia nos conflitos imperialistas por mais recursos, rotas comerciais e poder, para que consigam desenvolver suas economias capitalistas.

Em Gunes não há apenas uma espécie, mas seis. É como se os homo sapiens ainda convivessem com outras espécies humanas já extintas, como os Neandertais.

Entre as raças gunídeas, destacam-se em tecnologia e poder os Luminos e as Nychtar, convivendo em um armistício selado há mais de três mil anos.

Assim como na terra, em que os Estados que possuem tecnologia nuclear não entram diretamente em guerra, por conta da destruição mútua assegurada, os conflitos em Gunes foram cessados, tendo o planeta se tornado um grandioso santuário cujo meio ambiente é diligentemente preservado, possuindo áreas de habitação bem definidas para o uso das seis raças, geridas por um conselho do qual todas participam.

Já superamos desafios como a fome, a miséria, a exploração do trabalho gunídeo, a opressão dos animais sencientes, e outras formas de abusos entre os gunídeos, mas ainda existe uma guerra fria que se estende para a corrida espacial.

Por causa dos Luminos, meu povo, do qual sou um proscrito, muitas civilizações se encontram ameaçadas, visto que nossa cultura nos define como os portadores da luz e da razão universal.

Os luminos acreditam que estão predestinados a governar o cosmos pela razão, verdade e justiça. E o que é verdade ou justiça? Eu não sei! A não ser que conversemos sobre noções particulares e relativas do que penso ser justo ou verdadeiro. Mas os Luminos, em geral, possuem certeza absoluta de que detêm tais virtudes e que em breve estarão livres das “amarras das trevas” impostas pela tirania Nychta. A guerra voltará em algum momento.

Os Luminos surgiram de povos nômades, nos desertos de Gunes, quando os céus já eram abertos. Embora não fossem tão fortes quanto as Nychtar, uma raça mais antiga forjada na guerra, sempre foram lutadores extremamente habilidosos, diligentes, excelentes astrônomos e fervorosos filósofos religiosos, crédulos na divindade da radiância, que segundo nossos escritos sagrados é personificada em nossa estrela: Radiante.

Com o final das guerras existentes em Gunes e a firmação do armistício, os Luminos se dedicam a superar as tecnologias mais sofisticadas das Nychtar, os povos das trevas, que inclusive já dominam a antimatéria. Eles extraem recursos de outros planetas do sistema e erigiram uma cidade espacial que se alimenta diretamente da energia de nossa estrela.

Os Luminos são liderados por Akin e outros de nossa raça, chamados de Radiantes, considerados seres celestiais, como anjos, ante a sua experiência e cultivo de virtudes luminas. São considerados os mais proeminentes dentre os Luminos, que criaram um universo que abriga as suas consciências.

Este universo de que falo, cabe ressaltar, é um mundo virtual cuja arquitetura foi elaborada e arquitetada por Akin e os tais anjos, possuindo diversos planos ou círculos de existência.

Por meio do desenvolvimento da tecnologia da Alma, uma gema que possui tecnologia de computação quântica, os Luminos conseguem preservar sua consciência e memórias indefinidamente, podendo migrar sua mente, ou “espírito”, para corpos físicos, extremamente resistentes e poderosos, construídos por meio de nossa biotecnologia. A Alma garante também que suas consciências vivam e habitem a Radiância, o universo virtual dos Luminos.

Na Radiância, Luminos podem viver diversas vidas nos planos de existência elaborados por Akin. Há Luminos que vivem inteiramente na radiância e jamais precisaram retornar ao mundo real. Suas consciências são imortais, armazenadas nas Almas. Alguns vivem dezenas de vidas tendo seus espíritos testados por Akin e os Radiantes, cultivando o que eles acreditam ser as virtudes desejáveis da consciência. Existe um plano infernal para trazer dor e sofrimento aos indivíduos considerados pecadores e planos mais leves e felizes aos alegadamente puros de coração ou virtuosos. Com a superação de provações nas existências dentro da Radiância, os luminos mais virtuosos conseguem conservar ou até recuperar a memória de suas vidas passadas e se tornam além de almas imortais, plenamente conscientes de suas vidas na radiância e fora dela (caso vivam encarnados em corpos luminos do mundo real).

Sei disso pois por muito tempo fui um dos Radiantes de Akin. Antes de ser a Estrela Negra, vivi por mais de dois mil anos na Radiância e me tornei um dos arquitetos daquele falso mundo, que atualmente desprezo. Evidentemente tudo o que vivi e conheço é de extrema importância para Akin.

Embora tenha conseguido bloquear a transmissão de minha consciência para a Radiância, no caso de se apoderarem de minha Alma, que reside em meu corpo físico, Akin poderá ter acesso a minhas vivências e aos conhecimentos que obtive dentro e fora de seus domínios. Além disso, poderá apagar minhas memórias, colocando fim à minha existência ou simplesmente poderá me torturar eternamente em um plano infernal.

Sou o único Lumino que pode morrer, de fato, mas nada me faz tão feliz! Sinto-me, nesses últimos séculos, possuidor de uma liberdade que jamais possuí, com todos os problemas, desafios e breves alegrias que isso propicia.

Quando decidi fugir da Radiância, já sabia dos planos de Akin e de meus demais pares, Radiantes. Nós, Luminos, descobrimos uma civilização em estágio inicial de desenvolvimento, que forjava aço, canhões, arcabuzes, construía embarcações e cruzava grandes distâncias em seus oceanos, para conquistar, escravizar e matar seus próprios irmãos.

Esses se denominavam humanos, pois acreditavam ter se originado da terra, e habitavam um planeta azul, orbitando uma bela estrela anã amarela, que chamavam de Sol.

Tão logo foram descobertos, com um modo de vida tão predatório e cruel – que lembrava os demônios devoradores de gunídeos que governavam Gunes na era antiga – Akin e os Radiantes traçaram um projeto para livra-los de sua destruição mútua e a destruição de seu ambiente natural.

Como foram considerados incapazes de governar seu próprio destino e aproveitar a dádiva da vida que a divindade vos concedeu, foram eleitos para serem o primeiro povo a ser governado pelos Luminos.

Uma nova radiância começou a ser projetada para que suas consciências, consideradas incautas, pudessem habitar, afastando-os de sua existência terrena. Foi determinado que os humanos que se rebelassem contra o governo Lumino seriam sumariamente exterminados e os que aceitassem o arrebatamento do povo da luz, passariam por encarnações na nova Radiância, para purificar seus espíritos no desenvolvimento das virtudes até se tornarem aptos para o regresso ao seu mundo.

Soube, há alguns anos, que quando a humanidade obteve o conhecimento da energia proveniente da fissão nuclear e efetivamente a utilizou para dizimar milhares de vidas, os Luminos decidiram adiantar seu plano. Eles estão a caminho. O Juízo final se aproxima. Mas vocês não estarão sós.

#RPG #Contos #Fantasia #Ficção #CenárioDeCampanha

Escrito por Sirius